Tudo terá começado quando se começou a falar em “desenvolvimento correto do cachorro”, “socialização”, “estimulação mental”, “cansar o cão”, “deixar o cão acompanhado quando não estamos em casa”, entre outras expressões. Contudo, nunca se explicou a ninguém que há limites: há que ter bom senso, principalmente sabendo que um cachorro não tem necessariamente que ir por aí a ser exposto a todos os estímulos, enquanto vamos colocando um visto na lista de socialização. Nunca ninguém disse que os excessos são tão maus ou piores do que as carências.
Um cão não é uma criança. A criança vai para a creche, fica ali com outras crianças e no fim do dia volta para casa. Se há duas crianças que não estão bem uma com a outra, são separadas e não há qualquer problema. Estas crianças estão acompanhadas por pessoas devidamente formadas e sabem aquilo que a criança sente ou o que lhe faz falta. E ainda assim há muitas crianças que não querem ir!
Nas creches caninas, os cães são enfiados num espaço com outros cães desconhecidos sem terem a mínima consciência do que está a acontecer ou porque ali foram parar, não sabem sequer se a pessoa deles vai voltar. Instala-se o medo e o stress e, em muitos casos, o que ajuda é a capacidade de resolução e adaptação dos cães. A juntar a isto, temos a grande quantidade de cães juntos.
Dizem os senhores e senhoras das creches que “os cães são animais de matilha”. ERRADO: os cães não são animais de matilha, foram animais de matilha. Os humanos não fazem ideia de como se forma uma matilha, apenas se limitam a juntar cães.
Mais importante ainda: uma matilha é formada por indivíduos que querem estar juntos, não por cães agrupados por um humano. Ainda para mais, quando é um humano que não tem qualquer formação sobre comportamento e linguagem dos cães, ou tem uma formação onde passou só para ter um certificado no final. O suposto “ter jeito”, “sempre ter tido cães” ou “gostar de cães”, não qualificam ninguém.
As pessoas que trabalham nas creches não estão treinados para reconhecerem a linguagem dos cães e antecipar o que pode vir a ser um problema, que pode e deve ser evitado.
A prova disso está na quantidade de vídeos partilhados por creches caninas em que há sempre um ou dois cães a tentar evitar algum confronto entre outros, há sempre um ou dois cães a tentar separar um cão que tem medo e está a ser perseguido por outros que estão demasiado stressados para perceber o que se passa.
E isto, num local que funciona bem não deveria acontecer. Num local que funciona bem as pessoas têm formação, sensibilidade, empatia e proporcionam aos cães condições para descansar, para se isolarem de outros e para escolherem as companhias. Além disso, proporcionam estimulação mental adequada e ajustada a cada indivíduo e nunca sobre-estimulam os cães com exercício físico ou interações que não são as adequadas.
Acontece que o cão que não está confortável, tem medo ou está stressado começa a morder os outros…Rapidamente é etiquetado de “mau da fita”, “reativo”, “agressivo” entre outros. E então passa a ser proibido de ir à creche. Claro que ele agradece, contudo entretanto já não se quer sequer cruzar com outros cães na rua e por vezes até pessoas e as suas pessoas acham que ele agora é “anti-social” quando na verdade foi apenas vitima da ignorância e ego de alguém que não sabe nada sobre comportamento de cães.
É bonito dizer “ eu trabalho com cães”, “eu tenho uma creche canina”, “eu sou treinador”, “faço alojamento canino”… para não falar no lado financeiro…poucas faturas, poucos impostos, a contabilidade bem feita e sobra uma fatia bem jeitosa. Depois algo que começou porque se gosta de cães, acaba por se transformar numa fonte de rendimento fácil onde o principal interveniente nunca é ouvido.
Trabalhar com cães é trabalhar com vidas, é um serviço de responsabilidade, exige aprendizagem constante, conhecimento e empatia, quem não estiver disposto a isso é melhor ir trabalhar com pedras. Eu sei, é um trabalho duro…
Se sou contra creches caninas? Não, de forma alguma, sou apenas contra as pessoas que têm creches e não têm qualquer respeito pelos clientes (cães e suas pessoas) ou conhecimento sobre cães e decidem montar um negócio onde deveriam respeitar as vidas que lá acolhem mas não o fazem.
João Pedro – Educador Canino
Mania dos Cães – Educação e Treino Canino
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