De há uns meses a esta data, tenho recebido vários pedidos para treino de cães de guarda. Contudo, não faço este tipo de treino e explico isso e o porquê a cada pessoa que me contacta.
Não entrando em questões legais de treino de cães de guarda e sua utilização, foco-me apenas na questão do dito cão de guarda ou da utilização de um cão para fins de defesa ou guarda por um cidadão comum.
As pessoas que me contactam procuram um cão para guardar a casa, ou seja, um cão que seja um animal de família mas que ataque alguém que entre na propriedade ou ataque se tiver ordem para o fazer.
Normalmente já viram vários vídeos ou até demonstrações de cães a fazer ataques a senhores com um fato de proteção e a largar quando lhes é ordenado. Por causa disso, nasce uma ideia muito fantástica de que o cão faz aquilo porque aprendeu e ficou programado para o fazer durante toda a vida, que é só levar o cão para casa e esperar até ao dia em que possa ser necessário colocar aquele cenário em prática.
E esta ideia errada aparece porque existe um grupo de pessoas sem escrúpulos, sem ética e sem respeito pelos cães que fazem com que isso aconteça, mesmo sendo uma grande mentira! Um cão é um ser vivo com cérebro próprio e vontade própria, aprende e não esquece. Contudo, a forma como é ensinado pode trazer-lhe uma série de problemas, e infelizmente já vi cães que supostamente foram treinados para guarda e em vez disso foram carregados de todo o tipo de problemas.
Um desses cães veio ter às minhas mãos depois de ter ficado um mês a ser treinado por um sujeito que a única coisa que sabe é dar pancada em cães. Esse mesmo cão, depois desse mês, quando regressou a casa passava horas voltado para uma parede branca, tal era o grau de transtorno em que se encontrava. Tudo provocado pelo dito treino para guarda…
E não venham os “entendidos” dizer que se for treinado como deve ser não vai ter problemas, pois isso não é verdade e posso relatar vários casos para o comprovar.
A visão do cão de guarda é pois uma fantasia, que normalmente acaba mal para o cão, como não poderia deixar de ser. Qualquer cão pode ser cão de guarda, basta que saiba ladrar quando sente que há alguma coisa fora do que considera normal e que o assusta.
Os outros cães, aqueles que são treinados para guarda, passam por um processo de treino que não vou descrever por razões óbvias. Mas que leva a que mordam e depois para parar de morder sejam castigados (os “entendidos” chamam corrigidos).
Todo esse processo causa um enorme stress ao cão, pois resumidamente é levado a fazer algo e depois é castigado por o fazer. A partir daí, esse trabalho tem de ser feito durante toda a vida do cão, o que não vai acontecer se o cão for treinado e depois enviado para casa de uma família que tem a sua vida e não tem tempo nem possibilidade de ir fazer o treino numa base quase diária.
A partir daí, temos a chamada bomba relógio nas mãos: o que acontece a seguir é a frustração do cão por não poder morder. Essa frustração vai ser exteriorizada em forma de mordida a um membro da família no dia em que o cão estiver mais ansioso pelo aumento da frustração. O resultado já se sabe: o cão é mau, não devia morder, e vai ser abatido ou vai para o fundo do quintal e lá fica o resto dos seus dias.
Desde publicidade em que cães são entregues numa farmácia como cura para uma série de males, a situações em que se pega num cão para servir o ser humano e não se olha uma única vez para o seu bem estar. É “estás aqui fazes porque quero que faças” e o cão faz porque não tem alternativa ou porque é a sua natureza, e muitas vezes é explorada ao extremo. Sendo o cão considerado o melhor amigo do Homem é triste ver como o Homem trata o seu melhor amigo…
Não sou contra a utilização de cães para benefício humano, contudo tudo tem uma medida. Temos de saber qual é essa medida e compreender se o cão se sente bem a desempenhar esse trabalho, se na verdade gosta e o quer fazer e além disso é necessário providenciar-lhe condições para que tenha uma vida de qualidade, que não inclui apenas comida e cama mas formação para nós pois nunca sabemos tudo.
Como já tenho dito: não vale a pena criar leis se antes ou ao mesmo tempo não se trabalha a educação das pessoas. Até porque as leis valem o que valem, e se não forem fiscalizadas e aplicadas só servem como meio de promoção de partidos e políticos.
Depois disto tudo fica a pergunta:
Quantas (do tão grande número) de pessoas que querem um cão de guarda teriam a frieza necessária ou capacidade para conseguir parar um cão depois de ele começar a morder alguém?
João Pedro
Educador Canino – Mania dos Cães
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